O Cemitério dos Protestantes, em São Paulo, era um lugar que gostava de frequentar quando seminarista, pelos idos da década de 1990. Não ia para refletir sobre a efemeridade da vida, mas para sentar-me defronte ao túmulo daquele que foi primeiro missionário presbiteriano no Brasil com um pensamento único: “Ele era um ser humano como eu! Serviu ao Senhor em uma terra longíqua. Entregou sua vida para Deus a fim de que outros pudessem conhecê-lo…”. Sentia-me animado e motivado para fazer o mesmo, sob a graça do bondoso Senhor.
Ashbel Green Simonton, nascido em 20 de janeiro de 1833, era o filho mais novo do médico e também político, o Sr. William Simonton e da filha do pastor presbiteriano, a Sra. Martha Davis Snodgrass Simonton. Morava na Fazenda Antigua, em West Hannover (Pensilvânia) com seus oito irmãos, quando em 1846 todos tiveram que mudar para a cidade de Harrisburg, por conta da morte do seu pai. Tendo concluído os seus estudos secundários, e mais adiante, em 1852, já era professor, lencionado no estado de Mississipi. Em 1855, depois de uma forte experiência religiosa durante um dos avivamentos, ingressou no Seminário Teológico de Princeton, em Nova Jersey, seguindo os passos do seu avô materno. Mas ele iria muito além.
O chamado…
Em 14 de Outubro de 1855, Simonton escreveu em seu diário:
Ouvi hoje um sermão muito interessante do Dr. Hodge sobre os deveres da igreja na educação. Falou da necessidade absoluta de instruir os pagãos antes de poder esperar qualquer sucesso na propagação do Evangelho e mostrou que qualquer esperança de conversões baseada em obra extraordinária do Espírito Santo comunicando a verdade diretamente não é bíblica. Esse sermão teve o efeito de levar-me a pensar seriamente no trabalho missionário no estrangeiro. O pequeno sucesso que aparentemente apresentam as operações missionárias tem-me levado a não pensar em ser missionário, mas vejo que estava enganado. Que os pagãos devem ser convertidos a Deus está claramente revelado nas Escrituras, e estou convencido de que o dia deles se aproxima rapidamente. Os que estão hoje trabalhando preparam o caminho e Deus não deixará que seu trabalho seja em vão. Quem lança os fundamentos receberá galardão igual ao de quem faz o acabamento do edifício. Eu nunca havia considerado seriamente a alternativa de trabalhar no estrangeiro; sempre parti do princípio de que minha esfera de trabalho seria em nosso país, tão vasto, e que cresce tanto. Pois estou agora convencido de que devo considerar a possibilidade seriamente; e se há tantos que preferem ficar, não será meu dever partir?
O professor do Seminário de Princeton, Rev. Charles Hodge, foi usado por Deus para despertar o jovem Simonton, então com 22 anos, para a obra missionária. A partir daquele sermão, o seu chamado para dedicar-se ao Senhor estava claro e martelava em sua mente (1) que não havia outra forma das pessoas espalhadas pelo mundo experimentar a salvação em Cristo se não fosse através da pregação da Palavra do evangelho. Os povos que não ouviram a mensagem da cruz também não veriam a salvação; (2) que não é pelo fato de haver êxito por parte dos missionários no campo que não se necessita mais de ceifeiros. Como disse Jesus: “A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos.”; (3) que a pregação do evangelho deve ser feita a todas as pessoas. Isso era obrigação dele. E que todos, sem exceção, precisariam ouvir; (4) que os missionários pioneiros teriam o mesmo galardão daqueles que trabalhariam para edificação da recém-plantada igreja; (5) por fim, ele percebeu claramente que muita gente estava na igreja preocupada com a edificação do corpo e até mesmo com a evangelização de sua gente espalhada por um país tão grande como os Estados Unidos. Mas ele, convicto do seu chamado pergunta: “…não será meu dever partir?”
Viagem ao Brasil…
A cada dia que passava, Simonton estava mais convicto de que Deus o havia separado para a obra missionária, e nada iria interferir nesse propósito. Deus ainda falaria a sua mãe, que o seu filho Lhe pertencia. Ela escreve ao seu filho:
É difícil separar-se daqueles que talvez não vejamos mais na terra. Mas quando penso no valor das almas imortais que se estão perdendo pela falta do Evangelho puro — o conhecimento do Salvador Bendito — considero ter alguém que queira sacrificar tanto e devotar-se todo ao serviço do Mestre. Recomendo você com orações e lágrimas ao Senhor, que tudo faz para o bem.
Simonton, então formado e com 25 anos, envia, no dia 25 de novembro de 1858, sua proposta formal à Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, mencionando o Brasil como o campo ao qual estaria mais interessado. No dia 13 de dezembro escreve em seu diário que a Junta o nomeou como o primeiro missionário para o Brasil.
Em 18 de junho de 1859, embarca no porto de Baltimore, num navio à vela, o “Banshee”, rumo ao Brasil. No porto, estavam presentes a sua mãe e um dos seus irmãos, John. Ao se despedirem fizeram uma fervorosa oração e o caçula partiu…
Já no início da viagem estava ansioso para poder cultuar a Deus aos domingos e quem sabe até organizar uma Escola Bíblica Dominical Marítima. Mesmo impedido pelo capitão do navio, Simonton conseguiu reunir diversas vezes alguns marinheiros em seus aposentos e ali ministrava-lhes sobre Cristo e o Evangelho.
No dia 30 de julho de 1859, o navio passa pela ilha de Fernando de Noronha e logo depois pelo Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. E finalmente, no dia 12 de Agosto de 1859, às 9:30 horas da manhã, o Banshee ancora no Rio de Janeiro, trazendo o primeiro missionário presbiteriano ao Brasil. Isso já faz 164 ano. O jovem Simonton pisa o solo brasileiro com firmes propósitos de evangelizar o país.
Nós fomos alcançados por Cristo, por intermédio de uma igreja que decidiu investir, financeira e espiritualmente, em missões; pela disposição de um jovem, órfão de pai, de servir ao Mestre; pelo desprendimento da viúva Sra. Martha Simonton em deixar seu filho partir para uma terra que havia muitas doenças (varíola, febre amarela, cólera etc.), sem esperança de vê-lo mais. Com lágrimas e orações ela o despediu e o abençoou certo de que a obra do Senhor e as almas que se perdem têm mais valor do que o gozo de ter o seu filho por perto.
Dificuldades e empreendimentos
Já em terra tupiniquim, Simonton ansiava por evangelizar o Império do Brasil. Contudo, dois fatos marcaram negativamente a sua empreitada. A primeira delas era a falta de domínio da língua portuguesa, o que lhe causava uma profunda angústia. Sabia quem Deus era, sabia que Jesus era o Salvador, conhecia conceitos bíblicos e teológicos, mas sem a língua dominada não podia comunicar-se. Ele, então, se propõe a ensinar inglês em troca do português. Por causa dessa sua deficiência, o seu primeiro sermão pregado foi em inglês, a bordo do navio “John Adams” no Rio de Janeiro, em 28 de agosto de 1859.
O segundo fato, de ordem relacional, foi um forte desentendimento que teve com outro missionário congregacional, o Dr. Robert Kalley. Este médico havia fugido da Ilha da Madeira (África) debaixo de forte perseguição. E por isso trabalhava no Brasil de maneira acanhada, com medo que o fato ocorrido outrora, se repetisse aqui no Brasil. Essa era a sua estratégia e esperava que o recém chegado missionário americano fizesse o mesmo. Em seu diário, Simonton registra:
…Tive uma conversa com o Dr. Kalley… [ele] julga que seria melhor que as sociedades que mandam missionários para países papistas tivessem fundo operacionais secretos…
Ao que Simonton rebate:
Minha presença e meus objetivos aqui não podem ficar escondidos; portanto minha esperança está na proteção divina e no uso de todos os meios prudentes de defesa. O futuro não pode ser previsto; portanto, busco a infinita sabedoria, e em tudo me submeto à Sua direção.
Sinto-me encorajado pelo aspecto das coisas e esperançoso com o futuro. Existem indicações de que um caminho está sendo aberto aqui para o Evangelho.
O jovem pastor estava certo em não concordar com o Dr. Robert Kalley. Deus lhe abriu as portas. No dia 22 de abril de 1860 iniciou uma Escola Dominical em sua casa no Rio de Janeiro. Em 15 de outubro do mesmo ano começou a dar aulas em inglês. Pouco tempo depois, em 13 de junho de 1861, estava realizando cultos às quintas-feiras. E já durante esse período tinha uma assistência regular entre 15 e 30 pessoas na EBD.
Seis meses depois, organizou a Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil, na capital do Império, Rio de Janeiro, à Rua Nova do Ouvidor, nº 31. Ali professaram a fé um comerciante norte-americano Henry E. Milford (40 anos) e o padeiro português Camilo Cardoso de Jesus (36 anos) – eram as primícias. Nesse dia também celebrou a Ceia juntamente com o Rev. F.J.C. Schneider, um missionário que chegara para ajudar na obra.
Simonton, juntamente com o ex-padre , o Rev. José Manoel da Conceição e demais outros irmãos publicaram o primeiro número do jornal Imprensa Evangélica, no dia 05 de novembro de 1864, com a tiragem de 450 exemplares. Talvez o primeiro jornal protestante da América Latina. A Imprensa Evangélica foi o meio que Deus usou para repudiar os abusos da Igreja Católica que sempre investia contra os protestantes impedindo que a Constituição (de 1824) se cumprisse. No seu artigo 5 está escrito:
A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior.
A Imprensa Evangélica também dava assistência pastoral às igrejas mais distantes, com seus estudos bíblicos, doutrinários, de história da igreja etc. Inclusive há um caso de uma igreja que nasceu fruto do jornal, a de Ubatuba.
Em 1865, a futura Igreja Presbiteriana do Brasil já tinha não só uma igreja, mas um presbitério constituído por três pastores: Rev. Ashbel Green Simonton, seu cunhado Rev. A. L. Blackford e o Rev. F.J.C. Schneider. Eram três igrejas, a do Rio de Janeiro, a de São Paulo e a de Brotas. Dois anos depois, no ano de 1867, foi fundado o primeiro seminário no Rio de Janeiro. Os primeiros alunos foram os portugueses Antonio B. Trajano, Modesto P.B de Carvalhosa, Miguel Gonçalves Torres e um brasileiro, Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
Quando chegou ao Brasil, Simonton sabia que Deus tinha preparado todas as coisas. Era o tempo oportuno para pregar o evangelho, fundar, edificar e organizar a primeira igreja evangélica nacional. Com sete anos de Brasil já havia igrejas, Presbitérios, Jornal e Seminário. Isso mostra o espírito evangelístico, a seriedade, a disposição e, sobretudo o amor pelo Senhor, daquele jovem missionário.
Simonton tinha planos de ter uma família e para isso retorna aos Estados Unidos.
Vida breve…
Em seu diário, estando em Baltimore, no dia 25 de fevereiro de 1863, Simonton registrou:
…No dia 28 de janeiro, depois de muito interrogar-se, Helen Murdoch concordou em ser minha noiva; o casamento será no dia 19 de março. Buscamos a direção divina e ambos estamos certos de que a aliança de Deus está conosco. Quanto a mim, meu futuro lar no Brasil apresenta-se com cores brilhantes… Ofereço a minha gratidão a Deus por haver dado graça, coragem e amor a mim naquela a quem dei minha afeição, de tal forma que está pronta a deixar amigos, lar e pátria para compartilhar minha vida e meus trabalhos.
Durante aqueles primeiros meses de 1863, Simonton estava vendo o seu sonho concretizar-se. Ter uma esposa ao seu lado a quem pudesse amar e receber dela o seu amor.
Com menos de um ano de casado, no primeiro dia de 1864, ele escreve:
…se a esperança não mentir, em breve saberei o que é ser pai. Tenho muitas razões para ser grato a Deus, pois é constante comigo. Sou tão feliz como poderia esperar ser neste mundo. A Ele os agradecimentos, do fundo de meu coração cheio de experiência de Sua generosidade.
Simonton estava certo, a sua esposa estava grávida. Em junho de 1864 rabisca o seu diário:
Nossa primeira filha acaba de nascer às onze horas, e já se passaram vinte e cinco minutos. Deus seja louvado por Sua bondade. Ouviu, e respondeu a nossas orações; eu o louvarei por Sua bondade. A lembrança dos sofrimentos de Helen está ainda muito viva para permitir que pense na criança.
Helen não suportou as consequências do parto e faleceu no dia 28 de junho de 1864. Ele, então, derrama seu coração com pena e tinta:
Deus tenha piedade de mim agora, pois águas profundas rolaram sobre mim. Helen está estendida em seu caixão na salinha de entrada. Deus a levou tão de repente que ando como quem sonha.
Em homenagem a sua esposa, a filhinha recebe o nome da mãe, Helen Murdoch. Tendo sido criada pelos seus tios, Lille Simonton e o Rev. Blackford, em Santos, Helen viveu até 07 de janeiro de 1952, vindo a falecer aos 88 anos.
Três anos após a morte da esposa, em 1867, Simonton se encontrava debilitado e doente. Foi-lhe dado o diagnóstico: “febre biliosa”.
Seus últimos momentos de vida foram registrados pelo Sr. Joseph M. Wilson:
…Sexta-feira deram-lhe um banho que trouxe certo alívio. No sábado, quando a irmã o dava por morto, o cunhado insistiu ainda em que orassem pela sua vida.
Acordou sábado bem melhor. Estava calmo; parecia natural. Sua irmã, temendo, não obstante, que o desfecho viesse, aproveitou a oportunidade desse intervalo de lucidez para fazer algumas perguntas.
- Tem algum recado para os amigos nos Estados Unidos?
- Nada de especial. Diga-lhes que os amei até o fim.
- Alguma mensagem para a Junta de Missões?
- Diga-lhes que toquem para a frente o trabalho.
- E a Igreja do Rio; que falta fazer?
- Deus levantará outro para por no meu lugar. Ele fará Sua própria obra com Seus próprios instrumentos.
E ao ver sua irmã tomada de emoção: ‘Devemos apenas nos recostar nos braços Eternos e estar sossegados’.
Foi a única conversação durante toda a enfermidade. Isto é, no dia seguinte, perguntaram-lhe ainda se sabia que dia era: ‘É domingo’, disse. Blackford leu-lhes um salmo; um negro, membro da igreja, fez uma oração.
Foi dormindo. Segunda-feira entrou em agonia, vindo a expirar só pela madrugada. (09/12/1867).
O cunhado de Simonton, Rev. Blackford, escreve em seu diário:
Sua capa caiu sobre os meus ombros e tenho de ocupar o seu lugar. Não espero fazer o que ele fazia. Queira Deus conceder-me a graça de substituí-lo para a glória do seu próprio nome.
Foram oito frutíferos anos daquele jovem aqui no Brasil. Partiu para estar com o Senhor aos 34 anos de idade. Como disse o Rev. Hermisten Costa:
Somos herdeiros desse trabalho e, de certa forma, a “capa” de Simonton caiu um pouco sobre cada um [de nós] (…) A nossa responsabilidade é anunciar com amor, firmeza e abnegação o Evangelho do Reino até que o Senhor venha.
Fontes:
SIMONTON, A. G., Ashbel Green Simonton: Diario – 1852-1867, São Paulo, CEP e Livraria o Semeador, 1982.
COSTA, Hermisten M. P., Simonton, um Homem Dirigido por Deus, São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie: Cadernos de Pós-Graduação (Programa de Educação, Arte e História da Cultura), 1999, vol. II – nº6.